quinta-feira, 23 de julho de 2009

A ASSOMBRA, ASSOMBROU...

Contava meu pai certa vez, de um caso que com ele se passou. . .
____ cheguei na praça todos comentavam do susto que o Juliano levou, olha que este moço não era molenga, tinha até fama de brigador, tomava cachaça e mascava fumo; coisa de matuto rasgadô.
Trabalhava embutido nos matos, usava um machado pesado, de um lado um corte luzente e de outro lado um pontinho agussado.
Desprezava montaria mesmo se o patrão lhe oferecesse, fazia seu trajeto a pé, calçando umas precatas de couro de bichos que ele mesmo cassava. Comentavam todos admirados, como pode um homem tão bravo, chegar assim assustado.
Contava ele que viu, com os olhos que a terra há de comer, duas velas acessas sobre a cruz, pavoroso, credo em cruz, Deus me livre de rever.
Perguntaram a ele onde viu tanto pavor, o homem parecia até gaguejar: foi na virada de estrada, sobre uma cruz que tem lá.
Será que o defunto quer missa, o padre tem que celebrar, alma penada sofre muito e ainda vem nos assombrar, temos que dar um jeito, desta coisa fuguetar.
Quando o Juliano me viu, veio logo me alertar. . . Zé Cândio, Zé Cândio espera, oce tem que me escutar, na curva lá da estrada, eu vi o bicho pegar, foi bem perto da porteira, que dá pras terras do Alagado, sobre aquela cruz de madeira, ao lado da porteira fincado.
O que foi que você viu seu jú, que estão todos a comentar, parece que viu sombração e agora quer também assombrar:
Zé Cândio é o seu caminho, que leva pras terra arrendada, cê passa lá todos os dias, ainda vai encontrar a roubada.
Você cria juízo e para de beber, isto é coisa da marvada, já comeu seus miolos que eram poucos, agora até a visão ta embaralhada.
Vai gozando de mim, vai, vai. Se um dia lhe acontecer, quero ver você voltar, do meio do caminho para esta estória contar, vou dar tanta gargalhada que até meus bofes vão se soltar.
Não estou nem um pouco assustado, com estas coisas eu não brinco, não abuso de quem já foi, mas aposto com quem quiser, quando marco meu caminho, vou até o fim, e dele não arredo o pé.
Passaram então alguns dias, numa tarde, eu tinha de voltar pro roçado, arrumei minha matula, a mula já estava amarrada, depois das crianças dormirem, atravessei o povoado.
Chegando então numa curva, perto da porteira dos alagados, eu vi uma coisa estranha, acima do chão parado.
Lembrei logo do Juliano, no grande susto que tomou, a mula deu um corcovo, mas nem isto me assustou.
Firmei encima dos arreios, logo a chibata estralou, minha mula estribava, e nervoso me deixou.
Animal que eu montar é que tem de me obedecer, cravei as esporas na bicha, senti ela encolher, saiu pulando que nem doida, mas nas rédeas tinha que me obedecer.
Chegando mais perto eu vi, parecia mesmo duas velas acessas, a mula não queria passar, gritei então com clareza.
Sai de meu caminho coisa tinhosa, não vê que quero passar, não arredo um passo da porteira, é você que vai se afastar.
Esperei um minutinho, foi como se um ano passou, as velas continuavam acessas, parecia até que o fogo aumentou.
O jeito foi dar no trinta, na hora a mula empinou, atrapalhou minha mira, os dois tiros não pegou, nisso a coruja bateu asas, deu um pio e vou.
Acabou-se a assombra das velas acessas, ninguém mais se preocupou, com a luz dos olhos da coruja, que para o sertão, voou, voou, voou...


Adilson Silveira
Janeiro de 2009

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