sexta-feira, 9 de julho de 2010

O MATADOR DE DRAGÕES

O MATADOR DE DRAGÕES
Adilson Silveira/ 2005


Um dia um velhinho me contou uma estória muito interessante,
sabe? Ele disse que tem duzentos e trinta e três anos...
isto só que ele mora aqui no Morro, porque na verdade ele tem mais de seiscentos anos.

Ele me contou que quando era jovem, foi caçador de dragões.

Depois de matar muitos dragões enormes na região onde nasceu ficou sabendo que num lugar chamado Garças, isto mesmo! Garças, este era o nome da nossa cidade a centenas anos atras. Ele me garantiu que aqui em Morro da Garça havia um enorme dragão, e como ele só matava dragões grandes então veio correndo para cá, lógico, montado em seu cavalo branco que é a melhor cor de cavalo para quem mata dragões.

Ele me disse que quando chegou aqui, isto tudo era uma grande planície, com muitos córregos e um rio bem largo escondido no meio da mata. Então ele seguiu a margem deste rio até encontrar uma grande árvore, ela era tão grande e antiga que suas raízes brotavam para fora da terra formando varias conchas. Ele pensou assim:
_____ Que árvore esquisita, tem as folhas grandes e suas raízes formam grandes bacias que mais parecem uma gamela, é isto, vou chama-la de gameleira, e vou ficar morando aqui, junto a ela, porque assim não corro o risco de ser atacado por dragões, todo mundo sabe que eles têm medo de chegar perto da água para não apagar seu fogo e assim não poderão mais atacar ninguém, nem colocar fogo nas roças de milho, arroz ou feijão.

Ele me disse também que colocou o nome no rio de Bicudo, isto porque toda vez que sentia cede, tinha que pegar um canudo de folha de mamona ou mamão, colocar na boca para chupar a água e assim matar a cede, pois no rio tinha muita qualidade de peixes e muitos deles eram carnívoros.

Contou-me que ficou muitos dias na copa da árvore, esperando que o dragão aparecesse, quando de repente, um clarão em uma lavoura de milho lhe despertou a atenção e ele gritou:
_____ É o fogo, o fogo do dragão! Vamos Nevada! (este era o nome do cavalo, porque era branco como a neve), vamos enterrar este malvado, queimador de tudo que vê.

Saiu correndo em seu cavalo em direção ao fogaréu, e, quando chegou no campo em chamas, o dragão se escondeu no meio da fumaça, ele sabia que eu era caçador de dragões.Então fiquei correndo em roda com meu cavalo que já estava acostumado com estas brigas e estava-mos prontos para apagar aquele fogo.

Aí, ouvi um barulhão de asas, e quando olhei para cima, lá estava o dragão, era dos grandes mesmo, batia suas asas fazendo as chamas se aumentarem com os redemoinhos que de propósito formava.

Quando eu olhei nos olhos dele o danado abriu a boca que mais parecia um bico de bule velho, daqueles bem grandes e cuspiu uma bola de fogo na minha direção.

O meu cavalo que era ensinado e adorava brigar com dragões, nesta hora, deu uma refugada, e saiu de banda desviando da bola de fogo, aí eu dei o meu grito de guerra!

MATADOR... AVANTE!!!!!

Nesta hora nasceram duas grandes asas brancas em meu cavalo e ele deu um vôo em direção ao dragão, aí a briga ficou ainda melhor, ele me cuspiu duas bolas de fogo, uma atras da outra, fazendo com que meu cavalo se virasse rápido e desse um coice nas bolas de fogo, jogando-as contra o próprio dragão. Acertando em cheio, fazendo-o experimentar seu próprio veneno.
O fogo pegou na sua barbicha e queimou seus olhos deixando-o cego para sempre.

Ele ficou mais bravo ainda e começou a cuspir fogo em todas as direções, parecia que queria por fogo no mundo todo.

Então para evitar que ele queimasse o Brasil eu fui obrigado a lhe dar o golpe final.
Fui para cima dele com meu cavalo alado e ele lhe deu um coice tão grande em direção ao chão que quando ele bateu na terra, ela se abriu, engolindo a fera.

Mas eu sabia que dragão tem nove vidas e para garantir que ele nunca mais vai se levantar.
Desci de meu cavalo e pequei minha pá com cabo de prata cravejado com unhas de tatu que sempre trago comigo e comecei a cavar a terra, jogando encima da cova com o dragão ainda jogando fogo pra todo lado.
Aos poucos o fogo foi se apagando e o dragão por fim ficou enterrado, mas como ele era muito grande e forte, eu precisei fazer um mote de terra enorme encima dele fazendo um grande morro,

cavei tanta terra que de repente criou uma nascente no buraco formando uma grande lagoa ao lado do morro e atraído pelo frescor das águas, vieram as garças mais brancas que já vi e ali fizeram seus ninhos e reproduziram em grande quantidade.

Dizem que, muitos anos depois, veio um fazendeiro para cá e observando o grande bailado das garças ao redor do morro, se encantou e aqui fundou uma cidade, lhe colocando o nome de MORRO DA GARÇA.

Então eu perguntei ao velhinho se o dragão realmente está morto, e ele me disse o seguinte:
_____ Morrer ele ainda não morreu, mas está bem preso debaixo do morro. De vez em quando ele solta uma cuspida de fogo que sai flutuando de um ponto a outro, iluminando os cerrados e assustando as pessoas com intenção de me acertar para se vingar da surra que lhe dei.

Foi assim então que eu entendi o aparecimento da misteriosa luz que vez ou outra voa vagando do morrinho ao tope do morro, chamuscando as cercas quando rola de poste em poste queimando a causando pânico às pessoas.

Pergunto- me?
Será verdade que a lagoa, chamada de Lagoa Assombrada é a mesma que o velhinho cavou para enterrar o temível dragão?

Adilson Silveira / l2 - 05 – 2005

Aventuras do Médico do PSF - I

____ Por aqui, por favor.
____ obrigado.
____ Não, não; não precisa tirar os sapatos!
____ Estão empoeirados, é melhor assim.
____ Bobagem, o chão está muito frio. Então espere que vou trazer-lhe um chinelo.
Eram felpudos e cor de rosa, constatava o médico enquanto os calçavam, mas acolhiam muito bem os pés.
____ sua bolsa, deixe que eu a leve para o Senhor.
____ Não, obrigado, isto não é uma bolsa, é uma valise, ela completa o uniforme de um médico, quando em visitas a domicilio. Cadê o moribundo?
____ Ô Doutor, não fale assim de meu marido, o coitado já não está bom e o senhor lhe coloca este apelido horroroso, isto é até maldade.
____ Ora, não falei por mal, moribundo é como chamamos qualquer um doente.
____ Uái,.. será que meu marido ficou moribundo depois que um marimbondo lhe meteu o prego na perna, e foi. . .
____ Por favor, me leve até ele, sim?
____ Venha doutor, eu lhe mostro o caminho.
Seguindo atrás da mulher, o medico ouve um barulho que vinha do quarto logo adiante, acompanhando o barulho um odor insuportável tomou conta do estreito corredor da casa, o médico logo pergunta:
____ Haaá, que cheiro é este?
Já alcançando a soleira da porta, ela responde:
____ Aposto que é o meu zé, aliviando a buchada de bode que comeu no almoço; Eta comida poreta, viu? Se o nego ta caído, dá um sustento que até defunto levanta... Mas se achegue; sete-se aqui.
____ Obrigado... e aí senhor José, como tem passado?
____ Há seu doutor, esta perna não sara, tô pensando até que isto é coisa ruim que fizeram pra mim, pois...
____ Não, não; estas coisas não existem, e lhe digo mais, pelo cheiro seu estomago está muito pior que sua perna.
____ Mas seu doutor, eu num agüento nem pisar no chão direito, e minha perna dói de dia e dói de noite, só tenho um aliviuzim quando a coloco pra’cima, aí a dor acalma.
____ Dona Ana, a senhora tem feito o cataplasma de fubá para o José como eu mandei?
____ Tenho sim doutor, mas este homem é ignorante demais, faço tudo com muito carinho pra ele, pode vim cá pro senhor ver, é trêis vezes no dia, e eu aí, com o umbigo colado na fornalha, cozinhando o fubá com folhas desinchadeiras, lhe trago ainda quentinho, mas este pirracento so come um tiquinho, doutor!
____ Tudo bem Dona Ana, vejo que por um milagre ele ainda esta vivo e a perna já esta bem melhor. Agora a senhora vai lhe fazer o cataplasma, e o colocar sobre a perna machucada, ta bem entendido?
____ ta sim, seu doutor.
____ Muito bem, agora vou embora, pois tenho muitos pacientes para serem visitados nesta região, mês que vem eu volto para ver como está o senhor José, cuida bem dele, viu?
____ pode deixar seu doutor, até logo...

Cum Deus!...
Adilson Silveira 04-2009

A INGRATIDÃO DE UM HOMEM

Meu Deus que faço nesta vida?
E da minha vida...
O que foi que eu fiz?

Queria ter algum orgulho,
Mas como ter
Se no fundo do poço
Não tenho orgulho nem do comer.

Caído nas sarjetas
Muitas vezes eu me vi,
Pedindo um pedaço de pão
Ou um paninho p’ra dormir.

Virei escoria do mundo
Não sou contado como mais um
Sou isto que virei,
Mais um, no mundo de nenhum.

Sem perspectiva de vida
Tornei um mane ninguém,
Sou lembrança de um passado
Tornei-me nada, sem valor de vintém.

Mas ainda lembro de onde vim
Esperança nos braços a balançar
Minha mãe em mim confiava ...
Como a pude decepcionar.

Ao lembrar de minha mãe
Sinto algo em mim despertar
Será a benção que é todas as mães
Querendo agora me levantar?

Se lembro de quem amei
Caio novamente no chão
Se falo em minha mãe
Sinto inquietar meu coração!





Me acabei nas dores do mundo
Não acho forças para levantar
Mas quando penso em mamãe querida
Me sinto na obrigação de mudar.

Se eu ficar como estou
É puro egoísmo, posso dizer
Desiludi tantas pessoas
Esta confiança não pode morrer.

As moedas que me jogarem
Uma a uma vou guardar
Vou comparar uma roupa nova
Esta derrota vai passar.

Seu moço me vende um terno,
Do nada, vou me levantar
Vou comparar uma passagem de trem
Esta vida eu vou mudar.

Vou embarcar p’ro meu sertão
Consertar o meu passado
Pedir perdão minha família
Recomeçar um lar honrado

Me sinto estranho voltando p’ra casa
Neste ônibus, nenhum conhecido tem
Parece até que peguei o carro errado
Aqui não conheço ninguém.

Sinto meu peito amargurado
Como estará minha mulher
A quem a tempos deixei
sem uma noticia siquer.

Fui levado pela aventura
Dôidura que não tem perdão
Uma cabroxa formosa
Me enfeitiçou o coração.





Larguei tudo que eu tinha
Nem a ultima colheta fiz
Saí de casa a galope
Procurando ser mais feliz

Tava cego seu moço, Eu juro
Se eu tivesse pensado um segundo
Esta doidura não faria
Não trocaria toda a felicidade do mundo
Por aquela que eu já tinha

Junto com a noite chego na cidade
Sem coragem de procurar
Alguém ali conhecido,
P’ra poder lhe perguntar?

O que é feito de Maria dos anjos?
Amor que a muito deixei
Partindo com uma ingrata
A minha honra manchei .

O dinheiro que eu guardava
Para na velhice gastar
Foi-se embora em pouco tempo
Com uma vida de esbanjar

Um homem sem dinheiro não tem valor
Descobri num despertar
A ingrata me largou
Com muitas contas p´ra pagar.

A mobilha da nova casa
Tive então que vender
Já não tinha um teto para guarda-la
E precisava comer.

Voltar p´ro meu rancho não tinha coragem
Como eu iria enfrentar
Pedir perdão a Maria dos Anjos,
Sei que fui um ingrato, mas não vou assim me humilhar.





Nasce o dia, estou chegando no rancho
Fico incrédulo ao perceber
Cadê o canavial e o arrozal no brejão
Cadê tudo isto, cadê.

Sigo o caminho entristecido
Não escuto as criação
Não escuto um só galo cantar
Já me dói o coração.

Não posso acreditar que estou no terreiro
Só vejo mato ao meu redor
A casa que foi meu lar
Desmoronada, virou pó

O que terá acontecido,
meu Deus vem me dizer,
Onde está Maria dos Anjos.
Porque não vem me receber?

Estou ainda de joelhos no chão
Quando um cavaleiro chegou
Perguntei o que aconteceu,
Porque tudo aqui se acabou?

___Tudo foi obra de um desgraçado
Que com a Maria um dia casou
Desprezou a coitadinha
E nunca noticias mandou.

Maria descobriu que estava grávida
Chorava o pai que se afastou
A menina foi crescendo nesta amargura
Cadê papai, cadê, busca ele por favor.

De uma bronquite fatal
A menina veio a falecer
Falando sempre no pai
Que não pode conhecer.




Aumentou o sofrimento de Maria
Que de tristeza se definhou
Foi ficando fraquinha e miúda
Até que um dia a morte a levou

Do covarde maldito ninguém soube mais nada
Aqui na fazendinha a tristeza se arriou
De sede e fome morreram os porcos.
Fogo um dia a pastagem queimou

A casinha abandonada
Sem morador, começou a se afundar
A estrada da fazenda criou mato
Por aqui, é difícil alguém passar.

Mas todos conhecem a historia
Aqui já foi um grande lar
Era um cantinho feliz
Que a ingratidão de um covarde
Um dia fez tudo se acabar.



Chamou o animal na trilha
Seu caminho seguiu
Me deixou ali solitário, minhas lagrimas
se emendaram feito um rosário,
na poeira do chão sumiu.

Eu que pensei ter sofrido
Toda dor ao ser desprezado,
Descobri que o remorso dói mais
E me tornou um desgraçado.

Desprezei quem me amava
Nem minha filha conheci,
Meu Deus que vagabundo eu fui?
Só me resta esta dor me consumir.

Fim

Adilson Silveira
Maio de 2010.

ERA UMA VEZ NOS GERAIS – III

Nonato ainda adolescente matou para vingar sua mãe, anos mais tarde...

Homem típico da roça, com instrução escolar apenas de segundo ano, depois, só serviços para ajudar sua mãe e se manter com o pouco que ganhava. Este homem traz uma historia de muito sofrimento e falta de afeto de um lar bem constituído. Cresceu criado quase sempre de mãos em mãos, e agora entendendo melhor as coisas da vida chegou a dizer que sua mãe quando o trouxe ao mundo, ao invés de lhe dar a luz, fez foi a roubar. Mas como sempre foi muito valente e bom de serviços, nunca faltou um fazendeiro que lhe desse teto e comida por seus serviços. Hoje casado e pai de três filhos, se considera feliz, pois é homem de confiança de seu patrão. Que para não perder seus serviços para outros fazendeiros, lhe permite manter algumas criações em seus pastos, lhe dá casa boa para morar na fazenda e o alegra dizendo:
___ Na fazenda é você quem manda.
Um dia ao chegar para almoçar, mau o coitado desceu da mula, ainda do terreiro, seus tímpanos vibraram com a voz de sua mulher!
___ Nonato, o menino esta com tosse e não há chá de sabugueiro que de volta, almoça e aproveita o animal arreado, vai lá dentro (centro da cidade), compre um vidro de xarope para ver se assim ele dorme melhor esta noite.
Ainda com o gosto da comida na boca, sem apear do animal, ouvi-se o barulho da porteira se fechando e seguidamente o estalar da chibata no lombo da besta. O sol se inclinava do centro do céu em meio a um azul chuviscado com nuvens ralas. No bolso da calça de Nonato se percebia o volume do vidro da infusão comprada na farmácia para combater a tosse do filho. Lembrando da recomendação de seu filho menor, lhe pedindo que comprasse balas na venda, apeia da mula junto a uma sombra fresquinha, passa um nó no estacado e vai em direção a um armazém. Depois de bater a poeira das botinas, tira o chapéu da cabeça puxando-o pelo bico com a mão esquerda. Dizendo boa-tarde se debruça no balcão de madeira, logo, pede uns trocados de bala e deixa escorregar pelos dedos algumas moedas que conferindo-as, logo são catadas pelo comerciante. Apesar da pressa de voltar para casa, movido pelo instinto de sobrevivência, Nonato se voltar para um canto escuro do comercio, de onde um homem recostado na ponta do balcão, segurando um copo de pinga junto a boca, o observa como bicho que atocaia a presa. Os dois olhares se cruzam e Nonato percebe que o homem é o soldado Medeiros, este trajava uma farda empoeirada da Policia Militar, e os seus olhos miúdos e brilhantes, demonstram que aquela não era sua primeira pinga do dia. Por sua vez, o militar aprumando o corpo se dirige a ele com uma pergunta que denota autoritarismo e presunção:
____ O que é isto aí no bolso? Passe para cá este revolver.
Nonato se surpreende com a indagação e rindo lhe responde:
____ Que revolver que nada Medeiros, isto é vidro de remédio, vou lhe mostrar agora o que te deixou cismado...
Neste instante Nonato leva a mão no bolso para tirar o xarope, mas o soldado que tem experiência com este tipo de conduta, se lança sobre ele, tentando imobilizar-lhe os braços temendo que este fosse arrancar uma arma. O choque dos dois homens faz o vidro de remédio cair no chão e quebrar. Nonato se estica tentando evitar perder o remédio esperado por seu filho, mas, é inevitável, o soldado o mobiliza de tal maneira que somente seus olhos acompanham o medicamento que se derramaria em frações de segundos ao se estalar no chão. O matuto que nunca se permitiu um desaforo como bagagem, dá uma rodada no corpo e se solta do gancho de seu agressor. Olha rapidamente o liquido vermelho do xarope escorrendo no chão e xinga baixinho “ bebum safado”. Um pensamento toma conta de seu juízo “agora sim esta fazendo falta minha peixeira”. O soldado esbravejando palavras de ordem militar, se encaminha para prender o matuto que já bufava como um touro no brite.
Já aconteceu!... Agora só Deus segura a fera despertada do homem, um vôo espetacular leva Nonato a pousar na garganta do infeliz, que com o impacto rola porta afora levantando uma nuvem de poeira. O comerciante grita por ajuda e tenta apartar os dois... mas, nesta hora nem mesmo a madrinha de Nonato seria ouvida, coices, muros e pontapés eram distribuídos entre os dois e a quem mais chegasse perto. Já havia juntado uma boa torcida quando o Jipe da policia trava os freios junto aos brigões. Nonato é algemado e levado á delegacia, onde por desacato à autoridade, ficou preso por três dias. Infeliz decisão do comandante em serviço, pois a cada instante crescia mais e mais o ódio por aquele que o fez passar esta vergonha. Em meio a um dia de sexta-feira, a cancela se abre e o seu ranger traz para a porta da casa, toda a família de Nonato que o recebeu com alegria. O menino que estava doente parece ter tomado chá de milagre, pois estava curado e brincava alegremente com os irmãos. A mulher serve o almoço, mas, Nonato que calado chegou, calado ficou, nem buliu na comida, sua mulher puxa conversa, mas só silencio, conhecendo bem seu marido esta também se cala.
De repente Nonato diz:
____ Vou embora amanhã!
Sua mulher já esperava esta decisão, então tenta acalmar seu amado.
____ Está pensando naquele desgraçado que fez você ir pra cadeia, não é isto?...
____ Nunca tolerei desaforo, este também não vou engolir.
____ Mas você não pode abandonar assim a fazenda, seu patrão confia em ti, e tem também nossas coisas, quem vai cuidar, os meninos ainda são pequenos...
____ Pode deixar mulher, vou entender com o patrão, arrumar um lugar pra vocês e terminar o que aquele safado começou.

Na cidade comentam que Nonato vendeu tudo que tinha, comprou uma casinha pra mulher e os filhos e vai atrás de sua vingança. Numa manhã, junto ao cântico de cigarras, em uma casa no fim da rua, os eixos de pau, fazem parada trazendo a mudança. Por sua vez, o comandante da policia já prevendo o que poderia acontecer, a muito havia transferido o soldado Medeiros para longe de sua guarnição. A mulher de Nonato ao vê-lo lustrando suas armas, e sabendo que desta vez o desfecho será desigual, pede ao marido que desista de sua vingança e fiquem juntos para melhor criarem os filhos. Alerta-o:
____ desta vez você não vai lutar com um homem, mas sim com a policia que nunca te deixará em paz.
È madrugada... uma chuva fina banha a morte montada em uma mula, que segue em direção ao norte do estado, nas pegadas do homem jurado.
A busca é minuciosa, de vilarejo a vilarejo ou cidade a cidade, ninguém dá noticia de um militar novato naquela comunidade. Depois de seis meses andando e já muito longe de casa, alguém lhe informa que estava de férias em sua cidade natal, e, a alguns meses atrás, foi completado o contingente da policia local com um soldado que pelo ouvido dizer não é flor que se cheire, é fanfarrão e de poucos amigos. Com uma pista a seguir, mais três dias a passos de animal, junto com a noite Nonato pede pouso em uma pensão.
Amanhece... montado em sua mula a vasculhar as ruas da pequena cidade, ouvi o batido do sino da igreja. Nonato pergunta a um desocupado porque o sino batia tão cedo naquele dia:
____ É que roubaram uns bois na fazenda do filho do prefeito e dizem ter encontrado a pista do gado e dos ladrões que os vão tocando, agora a polícia está juntando gente armada para os ajudarem na recuperação do gado.
Nonato não perde tempo, em poucos minutos se junta ao grupo de cavaleiros que na porta da pequena delegacia aguardam as ordens do delegado em comando. Por terem que fazer a perseguição pelas montanhas os três policiais usam cavalos cedidos pelo proprietário do gado. Nonato em meio aos voluntários puxa o chapéu na testa com intenção de ocultar sua face, ao mesmo tempo sente o coração bater como quem ganha um presente, pois na verdade seus olhos avistaram em meio aos oficiais o motivo de sua jornada.
Um forte tropel corta a rua principal da cidade e segue pelo estradão de poeira solta, que afunila na direção das montanhas, cai a noite, nem a beleza da lua faz o trote diminuir a marcha. O delegado grita:
____ Vejam há um clarão de fogueira logo adiante, soldado Medeiros, se adiante e verifique se são os canalhas.
Os sete cavaleiros diminuem a marcha enquanto se arrumando melhor sobre a cela, o batedor vai fazer o reconhecimento. Logo volta e comunica ao delegado que realmente são os bandoleiros, os safados estão comemorando o roubo fazendo churrasco e dizem que ao descerem a montanha o gado será embarcado. Sobe o comando do delegado o grupo se aproxima o máximo do bando, procuram descansar para fazerem o ataque logo ao amanhecer. Nonato sempre de olho no soldado Medeiros, agora pede ao seu anjo protetor que o mantenha vivo, certamente até que eles se encontrem. No primeiro sinal que o sol logo se apontaria, ouve-se a voz de prisão, bradada pelo delegado que se aproximou a pé com a milícia. Os bandidos fazem um alvoroço danado, se levantam atirando a esmo e rapidamente tentam se esconder atrás das pedras ou arbustos. Junto ao manto escuro da madrugada, era visível o fogo que reluzia das armas em serviço. Nonato agia com cuidado para não perder na escuridão seu jurado, as balas luziam e cantavam uma melodia mortal. O soldado Medeiros percebe um dos bandidos se distanciando do grupo como quem tenta fugir ou se proteger melhor. Medeiros se desloca sorrateiro, abrigado por umas pedras grandes, com a intenção de pegar o bandido, Nonato percebe a manobra e faz o mesmo. O bandido atalha o caminho por entre as pedras descendo atrás de Medeiros, que pasmo engole sego ao ouvir um tiro disparado pelas suas costas. Por facões de segundos, seu intimo experimenta o horror de ser surpreendido por uma bala. Com as pernas trêmulas, vira rapidamente e se alivia ao ver o bandido que ele perseguia, caído sobre seu rasto. Incrédulo, com a ponta do revolver, levanta o chapéu na testa como quem agradece aos céus sua salvação. Por instinto percebe um homem que se aproxima, ainda com o revolver encostado na aba do chapéu, arrisca perguntar ao militante que se aproxima:
____ Foi você que me salvou?
A resposta lhe gela a alma.
____ Não podia deixar este ladrão de gado roubar a vida do canalha que a muito eu procuro.
Diante do espanto do soldado, Nonato tira o chapéu para clarear sua memória e seguidamente lhe diz:
____ Aquele vidro de remédio que você quebrou, marcou uma nova vida para mim e decretou o fim da sua.
Em tempo tão rápido que só a mente consegue percorrer, Medeiros relembra o equivoco acontecido a meses atrás. Reconhecendo o matuto e sabedor de sua intenção, rapidamente desce a mão com o dedo apertando o gatilho, mas suas forças lhe faltam antes de concluir sua defesa. A bala da espingarda de Nonato viajou tão rápido, que lhe perfurou o coração jogando seu corpo para traz.
A caçada ao pé da montanha ainda fervilhava enquanto Nonato segue seu rumo com a alma lava.
O delegado ao encontrar o corpo do soldado Medeiros caído a alguns passos do bandido, deduz que os dois se alvejaram ao mesmo tampo, declarando que o militar morreu no cumprimento do dever. (Num vacilo da lei, não perceberam que o bandido portava um revolver calibre 38 e no peito do policial descansava uma bala calibre 22 disparada pela falobé de Nonato).
Trinta e seis dias depois deste ocorrido, Nonato chega em sua casa, antes dele, chegara a noticia que em uma pega a bandidos, o Soldado Medeiros morreu em cumprimento do dever.
Recebido com alegria pela família, Nonato diz que vai falar com seu ex-patrão e tentar voltar para a fazenda. Se entristece quando sua mulher lhe conta que dois meses depois de sua partida, o homem vendeu as terras para uma firma que vem plantando eucalipto por todo o sertão. Conta mais... as terras já estão sendo cultivadas e todo o cerrado vai virar carvão. Consola-o dizendo:
___ É meu velho, é melhor você mudar de profissão, por aqui agora so se fala em eucalipto, carvão e ferro guza.

Nonato se adaptou ao novo serviço tornando-se carvoeiro, sem hora para pegar ou largar no batente... tenta juntar dinheiro para comprar seu pedacinho de terra, se Deus lhe permitir.

Adilson Silveira
Agosto de 2009