quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A saga de Serafim e seus filhos...

A lua se esconde por entre uma nuvem mais densa, o cano do rifle cuspiu fogo por entre a moita de arbusto no descampado da serra. O corpo cai quando o cavalo dispara, o pé preso nos arreios puxou o corpo por alguns metros. A botina frouxa no pé deixa escorregar o corpo pesado do homem que agoniza tentando entender quem o teria emboscado... no pensamento vagueia as palavras da mulher que diz ___ não vá sozinho, é perigoso... com uma nuvem cinzenta lhe roubando a luz dos olhos, tudo desfigura tal qual se distanciava as batidas do coração, que pouco a pouco perdia as forças ...

No outro dia:
___ Coronel, o que fui fazer, já está feito.
___ já despachou o safado, Serafim?
___ Sim Senhor.
___ sem rasto?
___ Ele nem sabe de que banda veio o tiro. Tombou de costas já se arrumando para o inferno.
___ E bom assim... passa pela cerva, peque um daqueles porco na engorda, e vá pro seu rancho fazer sua farrinha, tira o resto da semana por conta, depois se junte aos empregados na cuida da lida.

Dali para sua casa, Serafim seguiu arrastando suas precatas feitas com couro de bicho do mato que ele mesmo caçou, levando atravessado nas costas um porquinho já sangrado para comemorar o sucesso da empreitada.
Seu filho João se adianta para o receber, enquanto no alpendre do casebre, Mané Quindim, assentado num tamborete, se apóia na parede e lustra com carinho o rifle que foi sarrafiado de um infeliz tombado numa emboscada.
Em meio ao descanso de Serafim, o patrão manda lhe avisar que fique quieto em sua casa, pois tem gene procurando o responsável pela morte do homem no descampado da serra.

Serafim alerta seus quatro filhos, pedindo: fiquem de olho, cuidado com estranhos. Os filhos, Mane Quindim, João (apelidado de quebra toco) Lourenço e Maria, que astutos já eram, muito mais ficaram, com o olhar esperto, conseguindo ver de perto o que de muito longe é que vinha.
(São três machos e uma fêmea, por sinal MariaQue com todos se pareciaTodos de olhar esperto para ver de pertoQuem de muito longe é que vinha)

São filhos de duas uniões desgraçadas, a primeira união foi conquista de bordel,.... onde, por causa da mulher, Serafim fez destrincho em um moço, a moça, por medo ou gosto pela aventura, pegou garupa na mula e ainda levou o dinheiro junto com a caixa de sapato que a cafetina guardava. Mane quindim é filho desta união marcada por sangue, mas, durou apenas quatro anos. Morreu, vitima de tramóia por alguém que seguia os passos do casal para vingar o destrinchado no bordel.
Da segunda união mais três filhos. Maria era a que mais chamava a atenção, pois era a que com todos se parecia. Era o xodó do pai, mas mesmo assim a vida não lhe dava moleza. Quantas vezes sufocou as lagrimas para se mostrar valente.
(Filhos de dois juramentos, todos dois sangrentosEm noite clarinhaÊ A ÔO João quebra toco,Mané Quindim, Lourenço e Maria)
Serafim um dia falou pros filhos: ___ Tem morto que depois da vida, todos o querem ver voltar, este povo da cidade não quer deixar o finado descansar em paz e isto está tirando meu sossego, assim pra mim não dá. Vamos arriba o pé no mundo hoje mesmo, ou logo haverá mais defunto neste lugar.
Noite alta de silencio e lua, Serafim deixa o casebre. Não levam malas, somente trouxas de algumas roupas surradas, uns levavam rifles, outros fumo e farinha. Serafim foi ficando surtado, tinha medo de parar, foi se embreando no mato, dormindo em qualquer lugar.
(Noite alta de silêncio e luaSerafim o bom pastor de casa saíaDos quatro meninos, dois levavam riflesOutros dois levavam fumo e farinha
Bandoleros de los campos verdesDom Quixotes de nuestro desiertoÊ A Ô)
Serafim bom de corteMané, João, Lourenço e Maria)
Numa noite de lua sinistra, o calor do trópico escaldando, todos dormiam no mato, ninguém viu se aproximado, uma fera com olhos de fogo, de sua boca, baba pingando.
Atacou o grupo com a velocidade de um raio, mas Serafim seu pulo escutou, a fera bôcou o Juvêncio, na hora o facão silvou, foi fundo na sua artéria, na mesma hora seu sangue escorreu, mas a fera deu pulos cruzados e no escuro da noite se escafedeu.
A família acudia o irmão, que de susto estava gelado, mas Lourenço esta bem, só ficou com o braço aranhado.
Serafim falou pros filhos vamos seguir o rasto deixado, meu facão cortou profundo, o bicho tem que ser achado, nem o capeta escapava com o couro assim furado.
Seguiram o rasto de sangue e por um longo trecho vão, num trieiro logo adiante, a poça de sangue aumentou, sinal que o animal perdia as forças, logo na frente João gritou.
___ Corre aqui meu pai, vem ver a desgraça que aconteceu, o bicho matou mais um e daqui se soverteu.
Serafim ficou intrigado com aquele defunto no chão. Se o bicho atacou, cadê o sinal da luta, as folhas estão arrumadas no chão, este desgraçado é um lobisomem, este corte no pescoço quem fez foi meu facão.
Lourenço, teremos que beirar a cidade, ocê tem que um remédio tomar, este bicho te feriu e encima a baba pingou, esta desgraça pode ti contaminar.
O dia amanhece e num vilarejo a beira- mato, Serafim deixa seu filho para se cuidar, o charlatão lhe contava estórias vividas em outro lugar.
Falava de trabalho honrado, salário para receber, montar uma casa, ter família, isto sim é um viver.
Lourenço levado pelo sonho, de vida melhor poder levar, partiu num pau de arara p’ro sul, não quis o seu pai esperar, foi logo p’ra cidade grande, mudar de vida e trabalhar.

(Mas o tal Lourenço, dos quatro o mais novoEra quem dos quatro tudo sabiaResolveu deixar o bando e partir pra longeOnde ninguém lhe conhecia)
Depois de duas semanas escondido no mato, Serafim com seus filhos falou, ___ Mane, João, vão seu irmão buscar, este lugar está esquentando, precisamos logo mudar.
Na casa do curandeiro, os dois jovens logo perguntou, cadê Lourenço seu moço, o viemos buscar e ao senhor pagar, papai quer juntar a família, temos muito chão para andar.
___ Acalmem meus jovens o Lourenço não está, resolveu partir p’ra cidade grande, quer o seu destino mudar.
___ Ai, aiai ai ai... papai não vai gostar de saber, o Lourenço largou a família, o sangue do velho vai ferver. Voltaram e contaram para o pai, o velho tinha que saber, dizendo que Lourenço foi para o sul, querendo se enriquecer.
Mas Serafim jurou vingança, filho meu não dança conforme a dança! Vocês dois peguem a estrada, tragam meu Lourenço de volta, lhes peço com confiança.
Treze semanas passaram, por sorte os três irmãos se encontraram, ___ Lourenço, viemos te buscar, papai esta muito amolado, hoje você volta com a gente nem que seja amarado.

(Serafim jurou vingança,Filho meu não dança, conforme a dançaÊ A Ô)
No longo caminho de volta, Lourenço quase nada falou, queixava tremura no corpo, e o sangue lhe fervia, fazendo-o gemer de dor.
Deu um grito desesperado quando a lua cheia se mostrou, deu um urro e se embreou no mato, Mane Firmino assustado falou:
___ Lourenço esta fugindo, vai pra cidade voltar, pega ele João, senão papai vai nos matar.
João que mais agia que pensava, com a ordem ele avançou, fundou no meio do mato gritando feito um maluco, volta aqui sô, volta aqui sô!...
De repente um grito de horror quebra na noite, Mane por entre a moita arriscou espiar, viu uma fera lutar com seu irmão, entrou firme em sua defesa e com a fera começou a lutar.
Golpes de facão cotavam no ar, fazendo silvos no relance, a fera se defendia, urrava e se debatia, vendo seu sangue a esvair, atacava com grande desespero pra sua vida salvar, mas os homens eram bravos, e medo não conheciam, picaram a fera toda de facão, até sua ultima gota sangue pingar.
De repente o corpo no chão começa a se transformar, toma traços delicados e João começou a falar:
___ É Lourenço, Mane! Ele é assombração, a lua mansa o transforma em lobisomem, cruz-credo meu Deus, me livra desta maldição.
Em casa contaram p’ro o pai o que tinha acontecido, lutaram com um lobisomem mas não tinham percebido, depois do bicho morto, tudo foi esclarecido, Lourenço virava lobisomem, urrava e dava grandes ganidos.
Valemos de nossos facões p’ra do bicho nos defender, lutamos bravamente pois ele era forte, não tínhamos escolhas, era matar ou morrer.
(E mataram LourençoEm noite alta de lua mansa)

Serafim mudou para uma cidadezinha distante, onde a lei lá não chegava, morava numa casinha afastada, não queria se misturar.
Hoje no povoado contam que o tal Lourenço virou trem do outro mundo, unido com as forças do inferno, roubou de Maria o sossego, a fez cair na vida, em flor noturna virou, bebia cachaça e dançava na noite, nem seu pai ela respeitou.
(Todo mundo dessas redondezasConta que o tal Lourenço não deu sossegoFez cair na vida sua irmã Maria
(E os outros dois matou só de medo)

Fez a cartucheira disparar contra João, na hora em que os dois irmãos caçavam, o desespero de Mane quindim foi tanto e muito assombrado ficou, quando viu o espectro de Lourenço pisando sobre o corpo de João, dando urus de horror.
De repente começou a se transformar, num bicho peludo, de dentes afiados, Mane desabafou um grito do peito:
___ então foi tu, cabra safado, quem fez a espingarda disparar!

Rapidamente Mane disparou contra o lobisomem, mas por estar descarregada, o tiro não saiu, se viu obrigado a correr, embreando no mato sumiu.

O corpo de João foi achado, Mane Quindim nunca mais ninguém viu, Serafim deparou com o Lourenço, mas era noite de lua cheia e logo em lobisomem virou, pobre Serafim pirou, vagou por anos nos campos e montanhas, hora chorava outra dava um sorriso, assim morreu, morreu sete vezes, até abrir caminho p’ro paraíso.
(Serafim depois que viu o filhos LobisomemPerdeu o juízoÊ A ÔE morreu sete vezesAté abrir caminho pro paraíso)


Adilson Silveira
12-2010